domingo, 21 de agosto de 2011

Vida e obra de Eugène-Henri-Paul Gauguin (1848-1903).


Em busca do paraíso - e de si próprio

Até completar 35 anos de idade, o parisiense Eugène-Henri-Paul Gauguin era um bem-sucedido investidor da Bolsa de Valores na França. Não lhe faltava nada. Tinha mulher, um bom dinheiro, uma casa ampla e cinco filhos. Pintava nos finais de semana, apenas por hobby. Mas, em 1883, ficou desempregado e resolveu que, a partir dali, iria viver das telas e pincéis. "Enfim, posso pintar todos os dias", comemorou. A amizade com um artista mais velho, Camille Pissarro, foi determinante para tal decisão. Pissarro tinha uma história de vida cheia de peripécias: nascido na ilha de São Tomás, nas Caraíbas, deixou os negócios da família para viajar para a América do Sul, antes de chegar a Paris e passar a dedicar-se exclusivamente à carreira artística. Foi ele quem sugeriu a Gauguin que um artista de verdade não podia se resumir a pintar nos domingos e feriados. Em 1883 Gauguin perdeu seu emprego em função da quebra da bolsa de Paris e achou que era chegada a hora de optar pela arte. A reviravolta exigiu um preço alto demais. Um ano depois, Gauguin não havia conseguido vender um número suficiente de quadros para pagar as contas domésticas, que se acumulavam. Quando as economias acabaram, viu-se obrigado a mudar para Copenhague, na Dinamarca, onde o custo de vida era mais baixo e podia morar com a família da esposa, Mette Sophie Gad. Mas o casamento não resiste a essas mudanças. Em 1885, Gauguin voltou a Paris falido. Morou em um quarto miserável de pensão e quase morreu de fome. Após dois anos de dificuldades, conseguiu dinheiro para comprar uma passagem de navio para a América Central e foi trabalhar, como operário, na construção do Canal do Panamá, com a intenção de entrar em contato com outras culturas. De lá seguiu para a Martinica. Quando, no final de 1887, retornou à França, tinha pintado dezenas de quadros, nos quais renegava o impressionismo e buscava a "pureza" da arte primitiva. Mas pegou malária e ficou ainda mais pobre do que quando partira. Fabricou cerâmica para sobreviver e vendia esporadicamente seus quadros contando com a cooperação de Theo, irmão de van Gogh, que era marchand. Morou com o colega Van Gogh em Arles e, em 1891, quando começava a desfrutar de relativo prestígio na comunidade artística de Paris, jogou novamente tudo para o alto. Foi morar numa cabana em uma aldeia no Taiti, nas Polinésias Francesas, onde casou com uma nativa e pintou uma grande quantidade de obras influenciadas pela paisagem e pelas cores locais. "Espero cultivar a minha arte em estado primitivo e selvagem", escreveu. Em 1888 Gauguin vai para a Bretanha, onde já havia estado em 1886, entra em contato com a cultura camponesa e com uma comunidade de artista, entre eles, Émile Bernard. A passagem pela Bretanha é determinante para a sua obra. Voltaria à Europa mais uma vez, em 1893, quando recebeu uma herança deixada por um tio. Com o dinheiro, organizou uma exposição de seus quadros taitianos, prontamente bombardeados pelos críticos, que recriminaram-lhe as "cores exageradas" e "irreais". Desiludido, Gauguin abandonou a França de uma vez por todas. Retornou ao Taiti em 1895, onde continuou a enfrentar problemas financeiros e a sofrer os efeitos de outra doença: a sífilis. Pobre e enfermo, teve atritos com as autoridades locais por causa das críticas que fazia à administração colonial e à catequização dos nativos. Em 1897, ficou novamente sem dinheiro para se manter e para comprar os remédios de que necessitava. Deprimido, chegou a tentar o suicídio com arsênico, logo depois de receber a notícia da morte da filha, Aline, e de pintar sua obra mais monumental, a tela "De onde viemos? O que somos? Para onde vamos?", medindo 1,39m por 3,75m. Quando recuperou-se, escreveu: "Eu queria morrer. E pintei este quadro de um golpe só". Mudou-se então, em 1901, para um local ainda mais isolado, nas ilhas Marquesas, também na Polinésia Francesa, para onde os amigos de Paris enviavam-lhe apoio financeiro. Mas Paul Gauguin continuou a criticar o regime colonial e a fazer inimigos entre os catequistas da Igreja Católica. Em represália, as autoridades locais o colocaram na cadeia, sob a acusação de "difamação" e "desacato". Gauguin foi condenado a três meses de prisão. Já muito doente, procurou se defender da acusação, mas foi encontrado morto no dia 8 de maio de 1903.

Curiosidades
  • Avó feminista
    Paul Gauguin era neto, por parte de mãe, de Flora Tristán, uma das precursoras do movimento feminista, autora de livretos que pregavam a emancipação da mulher e o divórcio. Flora, nascida em Paris em 1803, era filha de um general peruano. Casou-se aos 18 anos, separou-se cinco anos mais tarde e quase foi morta pelo ex-marido, condenado a 20 anos de trabalhos forçados pela tentativa de homicídio. Flora teve três filhos, entre eles uma menina de nome Aline, que viria a ser a mãe de Gauguin.
  • Infância no Peru
    Quando Paul Gauguin nasceu, a França passava por grande turbulência política. Em 1851, Carlos Luís Napoleão, sobrinho de Napoleão Bonaparte, articulou um golpe de estado e restaurou o Império. O pai de Paul, Clóvis Gauguin, tinha colaborado em publicações republicanas e, temendo retaliações, decidiu deixar o país. Partiu rumo ao Peru, onde a mulher, Aline, tinha família influente. Mas, durante a viagem, Clóvis morreu após sofrer um ataque cardíaco. Aline prosseguiu a travessia do Atlântico e levou os dois filhos para Lima, onde Paul Gauguin viveu os primeiros anos de vida.
  • Gauguin no Brasil
    Em 1855, a mãe de Paul Gauguin decidiu retornar a França. A família fixou-se em Orleans (a cerca de 120 km de Paris), onde Gauguin iniciou seus estudos no liceu local. Ao completar 17 anos, o jovem alistou-se na marinha francesa. Antes de entrar para a marinha de guerra, trabalhou durante três anos como cadete em um navio mercante que, entre outros portos, ancorou em Salvador e no Rio de Janeiro.
  • Entre a bolsa e a arte
    Paul Gauguin entrou para o mundo dos negócios pelas mãos de seu tutor, o banqueiro Gustave Arosa, que além de grande capitalista era também colecionador de obras de arte. Foi Arosa quem conseguiu para Gauguin o emprego na Bolsa de Valores em Paris, na firma de Monsieur Bertin, famoso corretor de valores na capital francesa. Mas foi Gustave Arosa também quem o aproximou da obra de Pissarro, o artista que viria a aconselhar Gauguin a trocar o mercado financeiro pelos pincéis.
  • Gauguin e van Gogh
    Em 1888, depois de retornar da Martinica, Paul Gauguin aceitou o convite de Vincent van Gogh para dividir com ele uma casa em Arles, no sul da França. Van Gogh pretendia estabelecer no local um ateliê coletivo e uma comunidade de artistas. Mas os dois acabariam por se desentender. Em meio a um de seus muitos colapsos nervosos, van Gogh ameaçou o amigo com uma navalha, mas acaba cortando um pedaço da própria orelha e em seguida dá de presente a uma prostituta. Assustado, Paul Gauguin decidiu retornar a Paris.
  • Telas improvisadas
    No Taiti, por causa da distância geográfica em relação aos grandes centros e da falta de dinheiro, Paul Gauguin tinha dificuldade de encontrar material para trabalhar em seus quadros. Muitas vezes, recorreu a panos de sacos para improvisar telas e, assim, continuar pintando.
  • Noa Noa
    Gauguin escreveu um livro sobre o Taiti. Em Noa Noa, registrou o que significava para ele - e para sua arte - a vida a milhares de quilômetros de distância da civilização. "Eu escapei de tudo que é artificial e convencional. Aqui, eu entrei no processo da verdade pura para me tornar um indivíduo unificado com a natureza".
  • Nas telas do cinema
    Gauguin - Um lobo atrás da porta, de Henning Carlsen, Dinamarca, 1986. Rumo ao Paraíso, de Mario Andrecchio, Austrália, 2003. O artista no primeiro filme é interpretado por Donald Sutherland e no segundo filme por Kiefer Sutherland, seu filho.

Contexto histórico
Contra a civilização

Quando ainda era um próspero negociante da Bolsa de Valores em Paris, Paul Gauguin adquiriu várias obras de pintores impressionistas, a exemplo de Manet, Monet e Renoir, artistas que ainda provocavam escândalo por causa da ousadia de suas telas em relação à pintura acadêmica e tradicional. Gauguin chegou a incluir alguns de seus próprios trabalhos nas últimas exposições impressionistas, embora nunca tenha se filiado oficialmente ao grupo. Sua intenção era outra, buscava se distanciar da representação da realidade observada, percebida, ao invés de se colocar diante da natureza para executar suas pinturas, pintava de memória, atribuindo significados simbólicos aos elementos de sua pintura e a maneira como se utilizava das cores, abriu precedentes para estilos posteriores. Como ele mesmo escreveria, uma obra de arte deveria refletir "sentimentos intensos que se manifestam nas profundezas do ser e irrompem feito lavas de um vulcão". Daí seu nome ser situado, junto com os de Vincent van Gogh e Paul Cezánne, naquele período de transição que se convencionou chamar de pós-impressionismo - e que viria a antecipar alguns pressupostos do expressionismo, estilo marcado pela dramaticidade dos traços e das cores. A vida agitada de Paul Gauguin, recheada de reviravoltas e de viagens a lugares distantes, é reflexo de sua busca pessoal por uma arte que não se conformasse com os cânones da tradicional estética européia. Assim como suas telas absorveram a influência dos muitos anos vividos nos mares do sul, ele também pesquisou com afinco as esculturas egípcia e cambojana, além das gravuras japonesas. No instante em que a Europa passava pela Revolução Industrial, muitos artistas voltavam os olhos para outros mundos, ditos mais "primitivos", à procura de inspiração em lugares ainda não contaminados pela "civilização". Algo parecido já havia sido proposto pelos românticos, embora estes tenham disseminado uma visão idealizada dos povos dos trópicos, particularmente os indígenas do Novo Mundo. Mas ninguém ousou, como Paul Gauguin, levar ao extremo a busca por uma suposta essência primeira da arte, que ele julgava perdida para sempre no mundo europeu. No "paraíso" tropical polinésio, constatou que boa parte do desenvolvimento econômico do chamado "mundo civilizado" era proveniente da exploração colonial. Denunciar essa situação de injustiça histórica seria a última missão de sua vida.

Sites relacionados
  • Masp - Link para o auto-retrato de Paul Gauguin, no site do Museu de Arte de São Paulo, que possui a obra em seu acervo. Em português.
  • WebMuseum - Museu virtual, com informações biográficas e reprodução de quadros do artista. Em inglês.
  • Expo-shop.com - Site com biografia, relação de exposições permanentes, e-cards e produtos sobre a obra de Paul Gauguin. Em inglês.
  • Cultura e pensamento - Informações biográficas de Paul Gauguin e comentários sobre sua obra. Em português.
  • Tahiti - Site sobre a Polinésia Francesa, com informações sobre a vida e obra de Paul Gauguin. Em francês.
  • Website Van Gogh & Gauguin - O site é do Museu van Gogh de Amsterdam e fala da relação entre os dois , mostra os quadros produzidos neste período, correspondências e críticas.

Principais obras
1. "Vahine no te Vi" (1892) - óleo sobre tela - Museu de Arte de Baltimore, EUA.

2. O Cristo Amarelo (1888) - A arbitrariedade no uso das cores (o Cristo é amarelo, a copa das árvores é vermelha) renega o realismo. O rosto de Cristo tem sua fisionomia.

3. Jovem taitiana com uma flor (1891) - Um dos primeiros quadros pintados por Gauguin no Taiti. 

4. Duas mulheres na praia (1891) - A vida simples dos nativos taitianos, em um dos quadros mais famosos desta fase do artista.

5. De onde viemos? O que somos? Para onde vamos? (1897) - O quadro que pintou após receber a notícia da morte da filha e antes de tentar suicidar-se.

6. Jovens taitianas com flores de manga (1889) - Os seios desnudos de duas jovens do Taiti mostram o lirismo e a inocência do paraíso polinésio.

Fonte:  http://mestres.folha.com.br/pintores/10/

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